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Parentalidade

E se vivermos num mundo que nos quer mandar de volta para a Terra do Nunca?

Se o fascínio por Peter Pan sobrevive mais de um século depois, é porque esta personagem representa um modelo de rebelião contra a sociedade. Mas… e se atualmente for essa mesma sociedade que não favorece a maturidade, uma vez que é mais fácil controlar pessoas imaturas? Nesse caso, já não é a rebelião de Peter Pan que é subversiva. Pelo contrário, o desafio passa a ser outro: aceitar amadurecer e assumir a correspondente liberdade.


Vivemos numa época que não favorece a maturidade, numa sociedade que está obcecada com a juventude. Quem o defende é a filósofa Susan Neiman, na obra Amadurecer: Elogio da idade adulta numa época que nos infantiliza, na qual nos incentiva a encontrar um modelo de maturidade que não seja o da resignação.


O problema é que a ideia atualmente difundida acerca da maturidade de não é de molde a criar o desejo de entrar na idade adulta. Tal como refere a mencionada filósofa, “falhámos ao criar uma sociedade na qual os jovens não têm vontade de se tornar adultos” e, na sua perspetiva, não é tanto porque amadurecer seja difícil: é sobretudo porque é aborrecido. E, pior ainda, porque corresponde a uma renúncia.
 
Nesta linha, a entrada na idade adulta é, muitas vezes, encarada como uma renúncia às esperanças e aos sonhos, que implica que aceitemos os limites da realidade e nos resignemos a uma vida menos aventurosa, menos interessante e menos empolgante do que aquela que havíamos imaginado.

Mas isso nem sequer é o mais grave, segundo Susan Neiman. O problema é que o choque experimentado ao descobrir que o mundo não é tão luminoso como parecia começa gradualmente a dissipar-se quando somos adultos. Embora continuemos a sentir-nos frequentemente perturbados com determinadas injustiças, parece que nos habituamos. A indignação torna-se tão difícil de acordar, quanto o encantamento que a precedeu.

É por esse motivo que, na opinião desta filósofa, o fascínio por Peter Pan sobrevive mais de um século depois da criação desta história, por J. M. Barrie. Para aqueles que o veem como um herói, ele simboliza um modelo e rebelião contra um sistema que procura moldar-nos para que nos integremos numa sociedade na qual não temos vontade de viver.

Contudo, a responsabilidade pela falta de vontade de amadurecer não pode ser atribuída exclusivamente a uma entidade externa. Também cabe aos indivíduos que ficam presos na sua própria imaturidade. E a explicação apresentada por Immanuel Kant para este fenómeno não poderia ser mais incisiva.
 
No opúsculo O que é o Iluminismo?, uma das reflexões mais notórias que dedicou à maturidade, este filósofo defende que a imaturidade não nos é imposta. Somos nós que a escolhemos, porque somos preguiçosos e cobardes: é muito mais fácil deixar que alguém decida em nosso lugar do que mobilizar a audácia de pensarmos por nós próprios.

Mas, em contrapartida, Kant também avança com a hipótese contrária: e se é a cultura em que vivemos que não quer adultos, já que os sujeitos infantis e obcecados consigo próprios são mais fáceis de controlar? Transpostos para a nossa realidade, os métodos encontrados para promover esta infantilização são mais simples e subtis, encorajando a nossa preguiça natural ao oferecer-nos uma vasta gama de brinquedos reconfortantes, como os smartphones e outras tecnologias.
 
Ao invés, a ideia de um mundo mais justo e mais humano é apresentada como um sonho de infância que mais vale esquecer em nome da verdadeira vida, que consiste em encontrar um trabalho estável, que nos dê uma posição confortável numa sociedade de consumo, para podermos adquirir os bens que esta colocou à nossa disposição.
 
Se assim for, qual a melhor forma de manter as pessoas numa imaturidade voluntária do que apresentar-lhes uma visão tão ameaçadora da idade adulta que ninguém tenha vontade de lá chegar? Neste caso, na perspetiva de Susan Neiman, já não é a rebelião de Peter Pan que é subversiva. Pelo contrário, o desafio passa a ser outro: aceitar amadurecer e assumir a liberdade que tal implica.
 
Para tanto, é preciso coragem. Coragem para − sem perder de vista aquilo que de facto a realidade é − suportar a imperfeição que ameaça as nossas vidas. Coragem para transformar o nosso fragmento de mundo de modo a assemelhar-se o mais possível àquilo que deveria ser. E coragem também para contrariar as forças que se opõem incessantemente à maturidade. Porque os verdadeiros adultos não se contentam com pão e circo.
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Bloco de notas

Etapas do processo de amadurecimento

Na obra Amadurecer: Elogio da idade adulta numa época que nos infantiliza, Susan Neiman considera a maturidade como um ideal que nunca se alcança completamente.

Esse processo de amadurecimento tem três etapas:

  • A educação;
  • As viagens;
  • O trabalho.